(Contos, Editora Pergaminho, 1999)
Início do conto que dá o título ao livro
Um velho que contava histórias de encantamentos e avisava as pessoas do regresso de D. Sebastião numa manhã de nevoeiro tinha-me ensinado a fórmula para sonhar com a mulher que haveria de casar comigo. Dois ou três anos antes. Bastava contar nove estrelas durante nove noites seguidas e dormir, à espera do primeiro sonho. O velho, sempre que o tempo estava de feição, ia logo bem cedo para um miradouro de onde se conseguia avistar o mar nos dias de Sol, lá longe, a mais de vinte quilómetros. D. Sebastião haveria de surgir de repente do manto cinzento de nevoeiro, talvez montado num cavalo, ou numa serpente gigante, ou então numa máquina desconhecida. E eu ia muitas vezes junto, não tanto para ver se assistia à chegada do rei, que para mim tinha sido um sujeito um bocado para o parvo, mas na ânsia de ouvir as coisas dos encantamentos. Foi numa dessas esperas de loucura que o velho me contou acerca do poder das estrelas.
(...)
Textos de opinião sobre o livro
Manuel Dias, Diário de Notícias Jovem (edição Internet), 08.06.99
Quarto livro de António Manuel Venda
«O Velho que Esperava por D. Sebastião» é quarto livro de António Manuel Venda. Acaba de ser lançado com a chancela da Pergaminho. Reúne dezasseis histórias, organizadas em quatro grupos de quatro: «Os Nossos Sonhos de Criança», «As Armas e os Barões», «Porque Haveriam de Ficar Tristes?» e «Aventuras e Desventuras». As histórias do primeiro grupo remetem para a infância do autor, passada em Monchique, e são as mais saborosas.
(...)
Um aspecto notável na escrita de António Manuel Venda é a espontaneidade que resulta do emprego da voz directa, muitas vezes cumprindo a função de comentário atribuído a testemunhas da acção nem sempre identificadas. No segundo grupo de histórias, há um conto sobre a Padeira de Aljubarrota em que essa tarefa é sabiamente cometida a duas gaivotas, com um resultado bastante divertido.
António Manuel Venda foi colaborador do DN Jovem.
(...)
S/ indic. autor, Correio da Manhã, 08.07.99
Um livro feito de coisas simples
«O Velho que Esperava por D. Sebastião», de António Manuel Venda, é uma fantástica viagem no tempo... à infância, às fábulas, às histórias de encantar, mas também ao passado dos grandes feitos da História de Portugal. Uma viagem que se inicia no título, continua no prefácio de Jorge Marques e não mais termina.
É um livro que se lê de um só fôlego, com o mesmo interesse. Uma obra que nos encanta, que nos recorda a Padeira de Aljubarrota, entre outras personagens que povoam o nosso imaginário comum; que nos desperta para outras visões das coisas.
(...)
«O Velho que Esperava por D. Sebastião» é o quarto livro de António Manuel Venda e, por ele, apetece-nos que o autor edite já o próximo e que Jorge Marques o prefacie.
S/ indic. autor, Semanário, 28.05.99
Podia tratar-se de um livro de viagens. No tempo, bem entendido. Em «O Velho que Esperava por D. Sebastião» acontecem vidas, paisagens, sonhos e fantasias. O livro peca apenas pela brevidade - sinónimo da pressa e da juventude impaciente do escritor. (...) António Manuel Venda quis que o velho-menino sonhador fosse, afinal, um sábio leitor das estrelas, certo de que «O Desejado» há-de chegar. Sem pressas.
S/ indic. autor, 24 Horas, 06.06.99
Mais parecem histórias de meninos contadas a adultos, ou vice-versa. O livro de António Manuel Venda é um mimo oferecido ao leitor, reportado de forma simples, despretensioso mas cheio de sabor, a lembrar as narrativas sul-americanas, temperadas de cor, emoção e irrealidades.
S/ indic. autor, DNA, 10.06.99
Contos à Venda
(...)
António Manuel Venda deu os primeiros passos no DN Jovem, com pequenas histórias inspiradas no realismo mágico de García Márquez e na prosa sem pontuação de Saramago. Eram contos curtos mas muito inventivos, nos quais o autor afinava os seus recursos estilísticos e a sua «voz», trabalhando ao máximo no sentido de uma fluidez narrativa cada vez maior. Em poucas palavras, o escritor algarvio, nascido em Monchique em 1968, mostrava-se não apenas um exímio «deus ex machina» de um mundo que tinha como centro a aldeia do Alferce e como «marionetas» uma galeria de personagens vergadas pelo destino (homens e mulheres do campo, padres, cães, aleijados, cegos e bruxas). Esse pequeno mundo foi justamente o território onde António Manuel Venda inscreveu as suas primeiras ficções publicadas em livro. (...) Mantendo uma média de um livro por ano, acaba de publicar - ainda e sempre na Pergaminho - a quarta obra, «O Velho que Esperava por D. Sebastião», uma compilação de contos. A primeira parte do volume é a que se aproxima mais do padrão narrativo a que nos habituou: histórias de crianças privadas das suas quimeras, de fantasmas e do tal homem que não desistia de esperar o «Encoberto». Nas restantes partes, o autor atreve-se a explorar outros géneros, outros locais e outros tempos, mas não consegue ser tão feliz. (...) António Manuel Venda nunca escreve mal ou sem graça, mas devia precaver-se sempre que sai do seu verdadeiro «habitat».
S/ indic. autor, Sulstício, 19.11.99
Um regresso ao passado, às histórias da carochinha, ao tempo da imaginação e do sonho. Uma leitura que se transforma em viagem e nos conduz ao maravilhoso mundo das lendas e dos contos tradicionais. Que nos leva de Monchique às pradarias imaginárias e aos quadradinhos do Oeste americano, das eiras e ribeiras às avenidas novas, da infância à juventude, do Campo Grande às Docas, em Lisboa.
Uma oportunidade única para conhecer raparigas com perucas de toalha ou descobrir que afinal a Padeira de Aljubarrota era Algarvia. Um livro doce e simples que nos lembra o menino que há em cada velho que espera por D. Sebastião e nos ensina a fórmula para acreditar no sonho. Neste saltitar entre os sonhos de criança, as armas e os barões, as aventuras e desventuras destes personagens do Sul, António Manuel Venda lança um terno desafio às velhas emoções.
Prefácio
Jorge Marques, prefácio do livro
Deve ter-me escapado algum dia, talvez num almoço com o autor, a minha confessa frustração de escritor, apesar de tanto escrever. Só podia ser essa a razão que levava o António a convidar-me para lhe escrever o prefácio deste livro. Belo gesto. Podia ser por isso, ou por um daqueles vícios das novas correntes de marketing, que aconselham a dar a palavra ao leitor, ao cliente…
Claro que tive que lhe perguntar:
- Por quê eu?
- Porque leu os meus livros («lá estava»), porque não quero ninguém das letras («era isso»), porque acho que vai resultar - disse ele.
Quem fala assim não é gago e merece resposta. Num fim-de-semana, dei por mim em frente da lareira, a horas altas e a ler estas histórias. Em resultado disso, não posso dizer mais do que o que senti, porque não sou das letras, porque não me foi pedido e a mais não sou obrigado.
«O Velho que Esperava por D. Sebastião» acordou-me nessa noite para a próxima descoberta da humanidade, que acontecerá no próximo século, ou seja, já amanhã. Porque se foi verdade que no século XX a grande descoberta do homem foi o espaço, o próximo século será marcado pela conquista do tempo.
Foi o que primeiro senti, sentido até à emoção, uma espécie de viagem no tempo. Ao tempo em que a história era feita de falsos heróis, o tempo dos amores transparentes, dos bancos da escola, dos mergulhos nas ribeiras, do chegar à grande cidade, do sentido e da falta de sentido de tudo o que se aprende na universidade, do caricato retrato das empresas na moda.
Embarquei nesta viagem no tempo e senti como se estivesse lá, no meu tempo, e tudo fosse hoje. E no calor das chamas lembrei-me de Jorge Luis Borges: «O tempo é a substância da qual sou feito./ O tempo é um rio que me leva,/ mas eu sou o rio;/ é um tigre que me despedaça,/ mas eu sou o tigre;/ é um fogo que me consome,/ mas eu sou o fogo.»
Na procura de uma explicação mais ou menos científica, lembrei-me do chamado «deslocamento reflexivo», que consiste na capacidade de sentir em profundidade um momento específico do tempo. Não se passa apenas ao nível da ideia ou da imagem do futuro ou do passado. É sentir-se lá, é sentir essa experiência, é sentir esse momento na pele. É a nossa próxima conquista, este viajar no tempo.
Em termos de posicionamento literário, e a este propósito, fala-se muito de um «boom latino-americano», cuja magia reside exactamente nesta capacidade de levar o leitor a uma espécie de regressão afectiva. É um estado de alma que nos torna receptivos às mesmas histórias orais da infância, uma espécie de magia que toca quer nas lendas, quer nas tradições, quer na vida quotidiana. Uma espécie de realismo fantástico. Tudo pode ser verdade, tudo pode ser mentira, ou simples imaginação. Como Gabriel García Márquez, referência espiritual do António e da sua solidão.
Este velho contador de histórias emocionou-me, entre a lágrima, o sorriso e a gargalhada. Fez-me bem. «O Velho que Esperava por D. Sebastião» acordou-me por isso, e também, para uma outra realidade, talvez para uma outra viagem, só que agora voltada para o futuro, para o Sul.
Este é um livro do Sul. Não do Sul de Portugal, onde o autor nasceu, ou do Sul de qualquer país. Não é apenas o lugar da «Triste Canção do Sul», do «Fado», mas do «Fatum», que os romanos incluíam na sua mitologia como sendo a vontade expressa não só de Jupiter, mas também de outros deuses, em relação ao destino dos homens, das cidades e das nações. «Fado» é a disposição e providência divina que antevê os acontecimentos humanos.
Este é um Sul do outro lado do mar, é a terra de Jorge Amado, de Gabriel García Márquez, de Laura Esquível, de Isabel Allende, de Luis Sepúlveda, de tantos outros extraordinários contadores de histórias.
Entre o fogo brando, o livro do António fez-me recordar «O Velho que Lia Romances de Amor», de Luis Sepúlveda. «Numa noite de histórias cheias de magia, deixou-me alguns pormenores do seu desconhecido mundo verde…» Era a floresta tropical, mas podia ser Monchique, ou a esperança.
O velho do António, que contava histórias de encantamentos e avisava as pessoas do regresso de D. Sebastião numa manhã de nevoeiro, tinha-lhe ensinado a fórmula de sonhar com aquela com quem haveria de casar. Bastava contar nove estrelas durante nove noites seguidas e dormir, à espera do primeiro sonho.
E o velho de Luis Sepúlveda, que lia histórias de amor?
«- Anda, lê mais alto./ - A sério? Interessa-te?/ - Digamos que sim. Uma vez fui ao cinema, em Loja, e vi um filme mexicano, de amor. Nem lhe conto, compadre. As lágrimas que me caíram./ - Então tenho que te ler desde o princípio, para saberes quem são os bons e os maus.»
Asi son esas historias: comovedoras, risibles, ensoñadoras… A diferença é que o nosso autor tem mais pressa de chegar, é mais impaciente por dentro, luta contra o vento e não contra o tempo. A idade e a proximidade do Norte a isso o obrigam.
Este é um livro que sabe às coisas simples, que vão de Monchique às pradarias imaginárias e aos quadradinhos do Oeste americano, das eiras e ribeiras às avenidas novas, da infância à juventude, do Campo Grande às docas. É tudo já ali.
«O Velho que Esperava por D. Sebastião», ou o velho que contava histórias de encantar, é afinal um menino. Por isso, este é também um livro de poesia, a poesia de um olhar azul que foi lavado nas ribeiras transparentes e secou ao sol das eiras, e que ninguém consegue embaciar a não ser de emoção.
Início do conto que dá o título ao livro
Um velho que contava histórias de encantamentos e avisava as pessoas do regresso de D. Sebastião numa manhã de nevoeiro tinha-me ensinado a fórmula para sonhar com a mulher que haveria de casar comigo. Dois ou três anos antes. Bastava contar nove estrelas durante nove noites seguidas e dormir, à espera do primeiro sonho. O velho, sempre que o tempo estava de feição, ia logo bem cedo para um miradouro de onde se conseguia avistar o mar nos dias de Sol, lá longe, a mais de vinte quilómetros. D. Sebastião haveria de surgir de repente do manto cinzento de nevoeiro, talvez montado num cavalo, ou numa serpente gigante, ou então numa máquina desconhecida. E eu ia muitas vezes junto, não tanto para ver se assistia à chegada do rei, que para mim tinha sido um sujeito um bocado para o parvo, mas na ânsia de ouvir as coisas dos encantamentos. Foi numa dessas esperas de loucura que o velho me contou acerca do poder das estrelas.
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Textos de opinião sobre o livro
Manuel Dias, Diário de Notícias Jovem (edição Internet), 08.06.99
Quarto livro de António Manuel Venda
«O Velho que Esperava por D. Sebastião» é quarto livro de António Manuel Venda. Acaba de ser lançado com a chancela da Pergaminho. Reúne dezasseis histórias, organizadas em quatro grupos de quatro: «Os Nossos Sonhos de Criança», «As Armas e os Barões», «Porque Haveriam de Ficar Tristes?» e «Aventuras e Desventuras». As histórias do primeiro grupo remetem para a infância do autor, passada em Monchique, e são as mais saborosas.
(...)
Um aspecto notável na escrita de António Manuel Venda é a espontaneidade que resulta do emprego da voz directa, muitas vezes cumprindo a função de comentário atribuído a testemunhas da acção nem sempre identificadas. No segundo grupo de histórias, há um conto sobre a Padeira de Aljubarrota em que essa tarefa é sabiamente cometida a duas gaivotas, com um resultado bastante divertido.
António Manuel Venda foi colaborador do DN Jovem.
(...)
S/ indic. autor, Correio da Manhã, 08.07.99
Um livro feito de coisas simples
«O Velho que Esperava por D. Sebastião», de António Manuel Venda, é uma fantástica viagem no tempo... à infância, às fábulas, às histórias de encantar, mas também ao passado dos grandes feitos da História de Portugal. Uma viagem que se inicia no título, continua no prefácio de Jorge Marques e não mais termina.
É um livro que se lê de um só fôlego, com o mesmo interesse. Uma obra que nos encanta, que nos recorda a Padeira de Aljubarrota, entre outras personagens que povoam o nosso imaginário comum; que nos desperta para outras visões das coisas.
(...)
«O Velho que Esperava por D. Sebastião» é o quarto livro de António Manuel Venda e, por ele, apetece-nos que o autor edite já o próximo e que Jorge Marques o prefacie.
S/ indic. autor, Semanário, 28.05.99
Podia tratar-se de um livro de viagens. No tempo, bem entendido. Em «O Velho que Esperava por D. Sebastião» acontecem vidas, paisagens, sonhos e fantasias. O livro peca apenas pela brevidade - sinónimo da pressa e da juventude impaciente do escritor. (...) António Manuel Venda quis que o velho-menino sonhador fosse, afinal, um sábio leitor das estrelas, certo de que «O Desejado» há-de chegar. Sem pressas.
S/ indic. autor, 24 Horas, 06.06.99
Mais parecem histórias de meninos contadas a adultos, ou vice-versa. O livro de António Manuel Venda é um mimo oferecido ao leitor, reportado de forma simples, despretensioso mas cheio de sabor, a lembrar as narrativas sul-americanas, temperadas de cor, emoção e irrealidades.
S/ indic. autor, DNA, 10.06.99
Contos à Venda
(...)
António Manuel Venda deu os primeiros passos no DN Jovem, com pequenas histórias inspiradas no realismo mágico de García Márquez e na prosa sem pontuação de Saramago. Eram contos curtos mas muito inventivos, nos quais o autor afinava os seus recursos estilísticos e a sua «voz», trabalhando ao máximo no sentido de uma fluidez narrativa cada vez maior. Em poucas palavras, o escritor algarvio, nascido em Monchique em 1968, mostrava-se não apenas um exímio «deus ex machina» de um mundo que tinha como centro a aldeia do Alferce e como «marionetas» uma galeria de personagens vergadas pelo destino (homens e mulheres do campo, padres, cães, aleijados, cegos e bruxas). Esse pequeno mundo foi justamente o território onde António Manuel Venda inscreveu as suas primeiras ficções publicadas em livro. (...) Mantendo uma média de um livro por ano, acaba de publicar - ainda e sempre na Pergaminho - a quarta obra, «O Velho que Esperava por D. Sebastião», uma compilação de contos. A primeira parte do volume é a que se aproxima mais do padrão narrativo a que nos habituou: histórias de crianças privadas das suas quimeras, de fantasmas e do tal homem que não desistia de esperar o «Encoberto». Nas restantes partes, o autor atreve-se a explorar outros géneros, outros locais e outros tempos, mas não consegue ser tão feliz. (...) António Manuel Venda nunca escreve mal ou sem graça, mas devia precaver-se sempre que sai do seu verdadeiro «habitat».
S/ indic. autor, Sulstício, 19.11.99
Um regresso ao passado, às histórias da carochinha, ao tempo da imaginação e do sonho. Uma leitura que se transforma em viagem e nos conduz ao maravilhoso mundo das lendas e dos contos tradicionais. Que nos leva de Monchique às pradarias imaginárias e aos quadradinhos do Oeste americano, das eiras e ribeiras às avenidas novas, da infância à juventude, do Campo Grande às Docas, em Lisboa.
Uma oportunidade única para conhecer raparigas com perucas de toalha ou descobrir que afinal a Padeira de Aljubarrota era Algarvia. Um livro doce e simples que nos lembra o menino que há em cada velho que espera por D. Sebastião e nos ensina a fórmula para acreditar no sonho. Neste saltitar entre os sonhos de criança, as armas e os barões, as aventuras e desventuras destes personagens do Sul, António Manuel Venda lança um terno desafio às velhas emoções.
Prefácio
Jorge Marques, prefácio do livro
Deve ter-me escapado algum dia, talvez num almoço com o autor, a minha confessa frustração de escritor, apesar de tanto escrever. Só podia ser essa a razão que levava o António a convidar-me para lhe escrever o prefácio deste livro. Belo gesto. Podia ser por isso, ou por um daqueles vícios das novas correntes de marketing, que aconselham a dar a palavra ao leitor, ao cliente…
Claro que tive que lhe perguntar:
- Por quê eu?
- Porque leu os meus livros («lá estava»), porque não quero ninguém das letras («era isso»), porque acho que vai resultar - disse ele.
Quem fala assim não é gago e merece resposta. Num fim-de-semana, dei por mim em frente da lareira, a horas altas e a ler estas histórias. Em resultado disso, não posso dizer mais do que o que senti, porque não sou das letras, porque não me foi pedido e a mais não sou obrigado.
«O Velho que Esperava por D. Sebastião» acordou-me nessa noite para a próxima descoberta da humanidade, que acontecerá no próximo século, ou seja, já amanhã. Porque se foi verdade que no século XX a grande descoberta do homem foi o espaço, o próximo século será marcado pela conquista do tempo.
Foi o que primeiro senti, sentido até à emoção, uma espécie de viagem no tempo. Ao tempo em que a história era feita de falsos heróis, o tempo dos amores transparentes, dos bancos da escola, dos mergulhos nas ribeiras, do chegar à grande cidade, do sentido e da falta de sentido de tudo o que se aprende na universidade, do caricato retrato das empresas na moda.
Embarquei nesta viagem no tempo e senti como se estivesse lá, no meu tempo, e tudo fosse hoje. E no calor das chamas lembrei-me de Jorge Luis Borges: «O tempo é a substância da qual sou feito./ O tempo é um rio que me leva,/ mas eu sou o rio;/ é um tigre que me despedaça,/ mas eu sou o tigre;/ é um fogo que me consome,/ mas eu sou o fogo.»
Na procura de uma explicação mais ou menos científica, lembrei-me do chamado «deslocamento reflexivo», que consiste na capacidade de sentir em profundidade um momento específico do tempo. Não se passa apenas ao nível da ideia ou da imagem do futuro ou do passado. É sentir-se lá, é sentir essa experiência, é sentir esse momento na pele. É a nossa próxima conquista, este viajar no tempo.
Em termos de posicionamento literário, e a este propósito, fala-se muito de um «boom latino-americano», cuja magia reside exactamente nesta capacidade de levar o leitor a uma espécie de regressão afectiva. É um estado de alma que nos torna receptivos às mesmas histórias orais da infância, uma espécie de magia que toca quer nas lendas, quer nas tradições, quer na vida quotidiana. Uma espécie de realismo fantástico. Tudo pode ser verdade, tudo pode ser mentira, ou simples imaginação. Como Gabriel García Márquez, referência espiritual do António e da sua solidão.
Este velho contador de histórias emocionou-me, entre a lágrima, o sorriso e a gargalhada. Fez-me bem. «O Velho que Esperava por D. Sebastião» acordou-me por isso, e também, para uma outra realidade, talvez para uma outra viagem, só que agora voltada para o futuro, para o Sul.
Este é um livro do Sul. Não do Sul de Portugal, onde o autor nasceu, ou do Sul de qualquer país. Não é apenas o lugar da «Triste Canção do Sul», do «Fado», mas do «Fatum», que os romanos incluíam na sua mitologia como sendo a vontade expressa não só de Jupiter, mas também de outros deuses, em relação ao destino dos homens, das cidades e das nações. «Fado» é a disposição e providência divina que antevê os acontecimentos humanos.
Este é um Sul do outro lado do mar, é a terra de Jorge Amado, de Gabriel García Márquez, de Laura Esquível, de Isabel Allende, de Luis Sepúlveda, de tantos outros extraordinários contadores de histórias.
Entre o fogo brando, o livro do António fez-me recordar «O Velho que Lia Romances de Amor», de Luis Sepúlveda. «Numa noite de histórias cheias de magia, deixou-me alguns pormenores do seu desconhecido mundo verde…» Era a floresta tropical, mas podia ser Monchique, ou a esperança.
O velho do António, que contava histórias de encantamentos e avisava as pessoas do regresso de D. Sebastião numa manhã de nevoeiro, tinha-lhe ensinado a fórmula de sonhar com aquela com quem haveria de casar. Bastava contar nove estrelas durante nove noites seguidas e dormir, à espera do primeiro sonho.
E o velho de Luis Sepúlveda, que lia histórias de amor?
«- Anda, lê mais alto./ - A sério? Interessa-te?/ - Digamos que sim. Uma vez fui ao cinema, em Loja, e vi um filme mexicano, de amor. Nem lhe conto, compadre. As lágrimas que me caíram./ - Então tenho que te ler desde o princípio, para saberes quem são os bons e os maus.»
Asi son esas historias: comovedoras, risibles, ensoñadoras… A diferença é que o nosso autor tem mais pressa de chegar, é mais impaciente por dentro, luta contra o vento e não contra o tempo. A idade e a proximidade do Norte a isso o obrigam.
Este é um livro que sabe às coisas simples, que vão de Monchique às pradarias imaginárias e aos quadradinhos do Oeste americano, das eiras e ribeiras às avenidas novas, da infância à juventude, do Campo Grande às docas. É tudo já ali.
«O Velho que Esperava por D. Sebastião», ou o velho que contava histórias de encantar, é afinal um menino. Por isso, este é também um livro de poesia, a poesia de um olhar azul que foi lavado nas ribeiras transparentes e secou ao sol das eiras, e que ninguém consegue embaciar a não ser de emoção.